"Boa-fé não livra plagiador de responder pelo crime"
POR LUDMILA SANTOS
A famosa frase do Chacrinha "nada se cria, tudo se copia" — adaptada da citação do químico francês Lavoisier "na natureza nada se cria, tudo se transforma" — tem sido levada ao pé da letra por algumas autoridades. Recentemente, o ministro da Defesa da Alemanha, Karl-Theodor zu Guttenberg, e o promotor Paulo José Leite Farias, do Ministério Público do Distrito Federal, foram acusados de plágio. Ambos negam a acusação, uma vez que não agiram de má-fé, porém, para o advogado Amaro Moraes e Silva Neto, especialista em tecnologia das informações, não importa a intenção do "copiador". Se houve uso de informação alheia, sem qualquer referência ao autor, houve plágio.
Na Alemanha, Guttenberg perdeu o título de doutor em Direito por ter usado trechos de outros trabalhos, sem o devido crédito, em sua tese de doutorado. Ao dar explicações ao parlamento alemão nesta quarta-feira (20/2), Guttenberg não classificou o caso como plágio. "Cometi erros, graves erros que lamento. Mas não cometi plágio, já que não houve de minha parte intenção de enganar."
No Brasil, Farias assumiu que também citou trechos de uma dissertação de mestrado em um trabalho apresentado por ele em um concurso. Ele afirmou que devolveria o prêmio de R$ 1,5 mil que recebeu e que ficou "chateado" com as "incongruências" no seu trabalho.
A questão é que plágio é crime. "Agir de boa-fé ou assumir o plágio não muda nada. O sistema penal não admite o esquecimento. Mesmo que se assuma a autoria e se desculpe pelo caso, o crime continua sendo crime. Quando se trata de autoridade, o caso é mais sério ainda", destacou Amaro Moraes.
O plágio, ou a contrafação, previsto na Lei 9.610/98, é a reprodução de um texto sem autorização da entidade que detém a sua propriedade intelectual. De acordo com o artigo 184 do Código Penal, a violação de direitos autorais sem o objetivo de se obter lucro pode render ao "copiador" detenção de três meses a um ano ou multa. Porém, se houver o intuito de lucro, a pena pode ser de reclusão de dois a quatro anos.
Além de correr o risco de ser preso, o plagiador também poderá ser condenado a pagar indenização por danos morais e divulgar a identidade do verdadeiro autor da obra, de acordo com a Lei 9.610/98, mediante inclusão de errata ou do artigo original em um jornal de grande circulação no domicílio da vítima do plágio e outra em um jornal de grande circulação no domicílio do plagiador.
As sanções só são impostas quando a vítima de plágio aciona a Justiça. "O Direito sempre depende de quem reclama, caso contrário, nada acontece. Para mim, o sinônimo de plágio é safadeza. E isso tem se tornado cada vez mais recorrente, até mesmo por conta das facilidades da internet", observou Amaro.
Ele afirmou ainda que há casos em que o plágio acontece sem querer, por meio da criptomnésia: o esquecimento inconsciente, a influência involuntária de fontes em um discurso ou texto, ou, como diz Amaro, "o furto de ideias por meio do esquecimento". "A intenção pouco importa, se houve a cópia da informação sem crédito, o furto da ideia, houve crime."
Estudos
Por conta de sua paixão pelos Beatles, o advogado Amaro Moraes passou a "colecionar" histórias de plágio na música. Os casos foram agrupados e publicados no site www.direitoeinternet.com há cinco anos, inclusive com links com as músicas originais e copiadas para os incrédulos analisarem se houve o plágio.
Um exemplo é a música "Come Together", creditada a John Lennon no álbum Abbey Road, que, segundo o site, foi feita com base em "You Can’t Catch Me", lançada por Chuck Berry em dezembro de 1956. Amaro Moraes cita um trecho da biografia Paul McCartney, Many Years from Now, em que McCartney afirma que sabia disso: "Quando ele [Lennon] trouxe pela primeira vez [a canção], era uma musiquinha bem animadinha e eu lhe disse que se parecia bastante com 'You Can’t Catch Me', de Chuck Berry. John reconheceu que parecia mesmo e eu disse: 'Bem... faça alguma coisa para mudar isso'. Sugeri que tentássemos desacelerar o ritmo, o que fizemos".
Amaro conta que Maurice Levy, detentor dos direitos autorais da música de Chuck Berry, recorreu à Justiça. Porém, ele e Lennon fizeram um acordo extrajudicial, em que o beatle se comprometeu a gravar músicas do catálogo de Levy, dentre as quais "You Can’t Catch Me" e "Sweet Little Sixteen". Esta última teria sido transformada pelos Beach Boys em "Surfin' USA", segundo o advogado. Ele contou que Berry influenciou também os Animals e os Rolings Stones, citando, inclusive que Keith Richards confessou que copiou de Chuck Berry "todos os acordes que ele já tocou".
Até mesmo a originalidade do Hino Nacional é contestada. Reportagem da revistaVeja de 2000, reproduzida por Amaro, afirma que especialistas em música suspeitam que Francisco Manuel da Silva, autor do hino, copiou "Matina de Nossa Senhora da Conceição", do padre José Mauricio Nunes Garcia. O advogado apontou ainda que alguns acreditam que o Hino Nacional foi inspirado na ópera Don Sanche ou Le château de l´amour, de Franz Liszt. Porém, ele avalia que Francisco Manuel da Silva se inspirou na linha melódica da Sonata #1 dal Centone, de Paganini, "que, por sua vez, parece ter se inspirado na marcha fúnebre Adagio Assai, segundo movimento da Eroica, de Beethoven (3ª Sinfonia)".
Contestação
O caso do promotor Paulo José Leite Farias veio à tona quando o jornal O Estado de S. Paulo recebeu uma suposta denúncia de plágio. A monografia "MPDFT — Evolução do Modelo de Promotor de Justiça Júpiter (garantidor da lei) para Hermes (protetor do interesse público)", apresentada no concurso em comemoração aos 50 anos do Ministério Público do Distrito Federal no ano passado, continha trechos da dissertação de mestrado de Camila Villard Duran, defendida na Faculdade de Direito da USP em abril de 2008, sem os créditos.
Segundo o jornal, Farias apenas trocou a palavra juiz por promotor, para comentar a evolução da atuação dos membros do MP-DF. Procurado pelo jornal, o promotor afirmou que constatou "identidade de trechos, não só do corpo como de notas de rodapé, o que me chateou bastante", sem assumir plágio algum. AConJur tentou contato com Farias, mas até o fechamento da reportagem não o encontrou. Já a USP afirmou que não se manifestaria, pois a tese do promotor não foi defendida na universidade
Credibilidade
A acusação de plágio afetou a credibilidade do político mais popular do governo de Angela Merkel, chanceler da Alemanha. A oposição exigiu a renúncia de Guttengerg do cargo e ele chegou a receber apelidos como "Barão copia-cola" e "Barão von Googleberg".
O imbróglio teve início quando o professor de Direito Andreas Fischer-Lescano, da Universidade de Bremen, declarou, no dia 16 de fevereiro ao jornalSüddeutsche Zeitung, que a tese do ministro tinha várias passagens de "flagrante plágio", ou seja, de outros trabalhos publicados, porém, sem a citação dos autores. O jornal publicou em seu site um documento que compara partes da tese de Guttenberg com os originais apontados por Lescano.
Na época em que a declaração foi dada, o ministro negou o plágio, afirmando que a acusação era um "absurdo" e que a tese foi fruto de seu próprio empenho. Já a Universidade de Bayreuth, onde a tese foi defendida, abriu procedimento para investigar o caso. Guttenberg apresentou sua tese de doutorado em 2006 e, no ano seguinte, recebeu a maior nota pelo trabalho.
Nesta quarta-feira, agências de notícias internacionais anunciaram que a universidade retirou o título de doutor em Direito do ministro. No entanto, de acordo com a AFP, o presidente da universidade, Rüdiger Bormann, não chegou a qualificar o trabalho como plágio.
No mesmo dia, durante sabatina de duas horas no Bundestag, a Câmara Baixa do Parlamento alemão, Guttenberg admitiu que cometeu "graves erros" na tese e que pediu à universidade que retirasse seu título. Ele lamentou o caso, mas continuou afirmando que não houve plágio, uma vez que não agiu de má-fé. A EFE publicou que ele evitou responder se achava que tinha deixado de ser um bom exemplo para estudantes e atribuiu o caso ao excesso de trabalho e que é preciso esperar pelo relatório em curso de sua Universidade de Bayreuth.
Demissão
Não é difícil encontrar textos iguais em diferentes sites na internet sem os devidos créditos. Muitas vezes há a sensação de impunidade, pelo menos no Brasil, já que as informações de autores "desconhecidos" continuam sendo disseminadas com muita facilidade. No entanto, no início da semana, a Folha de S.Paulo divulgou que a reitoria da USP demitiu o docente Andreimar Soares, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP. Ele foi acusado em 2009 de usar, em uma pesquisa que liderou, imagens de trabalhos de 2003 e 2006, sem creditá-las aos autores da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na época, Soares afirmou à Folha que não houve plágio, "mas lamentável erro de substituição de figuras pela minha ex-aluna de doutorado".
A exoneração por plágio é a primeira na instituição em mais de 15 anos. O caso também envolveu a ex-reitora Suely Vilela, coautora da pesquisa, porém, a reitoria entendeu que ela não teve relação com os trechos plagiados. Outra pesquisadora teve o título de doutorado cassado. Tanto ela quanto Soares podem recorrer internamente e judicialmente das decisões.
FONTE: CONJUR
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