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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Novo Código de Processo Penal: juiz de garantias opõe defesa e acusação
O Plenário do Senado votou em sessão extraordinária, na última terça-feira (7/12), e aprovou o texto do novo CPP (Código de Processo Penal). As mudanças propostas, de responsabilidade de uma comissão externa de juristas trazem grandes inovações aos dispositivos da legislação atual, aprovada há quase 70 anos (Decreto-Lei 3.689/41). O novo CPP será enviado, agora, para votação na Câmara dos Deputados.

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ARTIGO: O Novo CPP e mais algumas questões


O projeto substitutivo (PLS 156/09) conta com 702 artigos e recebeu 97 emendas, após discussões entre entidades operadoras do direito, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), e 17 audiências públicas em várias capitais brasileiras.

Entre as principais – e polêmicas – inovações estão: a criação de um juiz de garantias; a instituição de 15 novas medidas cautelares, para que o juiz tenha alternativas na condenação; o debate entre os jurados no Tribunal do Júri; a restrição aos embargos declaratórios; o incidente de aceleração processual e o fim da prisão especial.
Na opinião do promotor de Justiça do Rio Grande do Sul, Mauro Fonseca Andrade, “em um primeiro momento, o projeto do CPP vai contra a celeridade do processo ao criar uma figura chamada juiz de garantias, que vai atuar só na fase de investigação. Isso faz com que tenhamos dois juízes para um único processo”, enfatiza.

O promotor pontua que, diferente da maneira como é feita nos dias de hoje, “se a polícia de uma cidade que tem só um juiz precisar de algum provimento judicial na fase de investigação, como a quebra de direito fundamental, por exemplo, uma prisão em flagrante, uma prisão temporária ou uma investigação telefônica, isso vai ter que ser deferido ou analisado por outro juiz, em uma cidade próxima, fazendo com que toda persecução penal acabe se atrasando”.

Já para o criminalista Alberto Zacharias Toron, a implementação formal do juiz de garantias é “um grande avanço”. Ele não acredita que a medida vai acarretar mais demora na resolução dos processos. “Isso funciona em São Paulo [no Departamento de Inquéritos Policiais], há 30 anos, e não se pode debitar nenhuma demora pela existência do departamento de inquéritos policiais. É uma separação necessária e veio em boa hora”.

De acordo com o advogado, a morosidade do judiciário é decorrente de uma “estrutura mal gerenciada”, que vem sendo “cuidada, em boa hora, pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça)”. Questionado sobre a limitação dos embargos declaratórios, que coibiria uma conduta de alguns advogados considerada protelatória, Toron aprova a medida, mas é enfático ao afirmar que a culpa da morosidade judicial não pode ser somente debitada aos advogados.

“Tem ministros que ficam aí, dois, três, cinco anos com um processo, alguém está olhando para isso? Será que agora tudo virou culpa do advogado?”, questiona. “Ele tem sua responsabilidade, mas eu acho que a gente tem que olhar também o papel do juiz e do MP (Ministério Público) no processo”.

Aceleração processualA emenda apresentada pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), a partir de sugestão da AMB, foi incorporada ao projeto inicial e aumenta o prazo máximo para realização de audiência de instrução e julgamento em 30 dias – dos atuais 60 dias, o prazo passa a ser de 90, para adequá-lo aos prazos máximos da prisão preventiva.

No entanto, quando o prazo se esgotar, o juiz poderá usar o dispositivo chamado de “incidente de aceleração processual”, por meio do qual deverá determinar a prática de atos processuais em domingos, feriados, férias, recessos forenses, inclusive fora dos horários de expediente.

Outros pontos da reforma: Conversa entre os juradosNo caso de Tribunais do Júri, as regras de comportamento entre os jurados escolhidos para participar também mudam: a partir de agora, segundo o projeto, os jurados poderão conversar entre si, exceto durante a instrução e os debates. O voto, por sua vez, continua sendo secreto.

Para os especialistas ouvidos por Última Instância, a medida é negativa e deveria ser revista. O criminalista Alberto Toron ressalta que essa é uma medida inconstitucional, já que é previsto pela lei a incomunicabilidade entre os participantes, a fim de garantir um julgamento justo e imparcial. “É uma medida errada, que deve ser repensada. A OAB, na sua comissão, não foi favorável”, lembra.

Segundo o promotor Andrade, um jurado pode acabar “conduzindo” o voto de outros, ao apresentar argumentos para justificar seu posicionamento e, consequentemente, influenciando os demais. “Com o debate, eu não sei se os jurados iriam julgar de acordo com aquilo que foi debatido e provado em plenário”, afirma. “O promotor ou defensor não pode ser mais incisivo ou direto em relação a um jurado; este tipo de situação ocorreria entre os jurados”.

Fim da prisão especial
O fim da prisão especial, de acordo com Toron, não é novidade. “Desde o governo Fernando Henrique, houve uma lei que mudou a prisão especial; ela hoje não representa, substancialmente falando, nada de especial”, explica. Para o advogado, a prisão especial, deveria ser “a regra para todos os presos em uma penitenciária. Nós estamos nivelando por baixo, fazendo com que todos tenham direito a dormir embaixo da ponte, quando o ideal é que todos tivessem condições condignas na vida carcerária”, aponta.

A prisão especial, válida até então para quem possui curso superior e autoridades civis e militares dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com a aprovação do CPP, passa a valer somente em casos de proteção da integridade física e/ou psíquica do prisioneiro que estiver correndo risco.

Para Andrade, a diferenciação deve ser feita somente nesses casos de risco. “Não se pode colocar em um mesmo estabelecimento prisional, ou em uma mesma cela, o policial que foi responsável pela prisão de elementos que estejam lá dentro; colocaria em risco a vida deste próprio policial. Não poderia colocar um juiz, um promotor, no mesmo estabelecimento prisional que aquela pessoa que esses dois profissionais, de uma forma ou de outra, contribuíram para que esses elementos estivessem também lá, presos”, exemplifica.

O promotor acredita que a prisão especial, atualmente, “traz um rechaço social que se notabilizou em razão da condição social do indivíduo. Ou seja, aqueles que têm diploma superior ou que têm alguma situação diferenciada merecem, conforme prevê a legislação, o direito de não estar no mesmo tipo de prisão que os demais cidadãos”.

Monitoramento eletrônico de presos

Ainda com relação ao sistema carcerário, o projeto prevê a adoção do monitoramento eletrônico de presos, no caso de prisão preventiva e liberdade condicional, como forma também de amenizar a superlotação nas celas. “O percentual de criminalidade pode continuar o mesmo em relação à população, mas o número de vagas no sistema carcerário não teve esse acompanhamento, houve uma inércia por parte do poder executivo para determinar o aumento de vagas”, observa o promotor de Justiça, Mauro Fonseca Andrade.

Se o método sairia caro para o Estado, como argumentaram críticos da proposta, essa não é a questão fundamental, no entendimento do promotor. “Essa alternativa é só um paliativo, só uma maquiagem para disfarçar a situação que nós vivemos no país em termos de segurança pública”, afirma.

Com a mesma visão, o criminalista Toron também concorda que o monitoramento eletrônico “não é a panacéia para todos os males”, mas reconhece que é menos invasiva do que manter uma pessoa presa. Para o advogado, a grande saída é o preso ser reinserido no mercado de trabalho. “Preso que trabalha é preso que não volta a delinquir”, assegura.

Veja no quadro abaixo as principais mudanças propostas com a reforma:





ANTES
DEPOIS

Modelo processual Acusatório/misto – as partes podem produzir provas, inclusive o juiz, responsável pelo julgamento final
Acusatório – papéis bem definidos: juiz julga, defesa defende, promotoria acusa e polícia investiga e produz provas. Juiz apenas conduz o processo, sem interferir

Juiz O mesmo juiz que participa do inquérito profere a sentença
Juiz de garantias – um juiz torna-se responsável por acompanhar a fase investigatória, enquanto um segundo será designado para julgar o caso

Vítima Se quisesse informações sobre o andamento do processo deveria solicitar na Justiça e aguardar o recebimento do material
Torna-se obrigatória a entrega de material referente ao processo

Júri Jurados não podem conversar entre si; voto secreto
Jurados podem debater, exceto durante a instrução e os debates; voto continua secreto

Embargos de declaração Recurso pode ser utilizado de maneira ilimitada para esclarecer pontos obscuros, contraditórios ou omissos, protelando a decisão
Recurso fica limitado a um único pedido de esclarecimento, até dois dias depois da decisão

Medidas cautelares
Juiz é restrito a dois tipos de medidas: prender o acusado ou deixá-lo livre
Rol de 15 medidas para dar alternativas ao juiz, por exemplo: fiança, monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar, entre outros

Prisões Provisória, temporária e preventiva
Provisória fica limitada a três modalidades: flagrante, preventiva e temporária

Prisão especial
Acusados que possuem curso superior têm direito à cela especial
Cela especial passa a ser exclusiva para casos de proteção da integridade física e/ou psíquica do prisioneiro

Monitoramento eletrônico de presos Previsto na legislação para os casos de saída temporária em regime semi-aberto ou prisão domiciliar
Instituição do monitoramento eletrônico de presos, no caso de prisão preventiva e liberdade condicional

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