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sábado, 26 de março de 2011

Alimentos gravídicos.
Aspectos materiais e processuais da Lei nº 11.804/2008
http://jus.uol.com.br/revista/texto/12219

Publicado em 01/2009
Denis Donoso
A nova lei concedeu expressamente à gestante os chamados "alimentos ravídicos", ou seja, o direito de buscar alimentos do suposto pai durante a gravidez.

Resumo: Este texto busca analisar os principais impactos materiais e processuais da Lei 11.804/2008, que regula os alimentos gravídicos. Partindo de uma análise geral sobre o tema "alimentos", o trabalho se aprofunda nas diversas questões práticas que a nova lei enseja.

Sumário: 1. Introdução; 2. Direito aos alimentos; 2.1. extensão objetiva da obrigação; 2.2. extensão subjetiva da obrigação; 2.3. alimentos e a situação específica do nascituro; 3. Aspectos materiais e processuais da Lei 11.804/2008; 3.1. titularidade e legitimidade ativa; 3.2. valor (quantum) dos alimentos gravídicos e o pedido autônomo de alimentos "convencionais"; 3.3. competência; 3.4. citação do réu e termo inicial da obrigação; 3.5. provas; 3.6. tutela antecipada; 3.7. limites subjetivos da coisa julgada; 3.8. não repetição dos alimentos e a impossibilidade jurídica do pedido de indenização por parte do "pai"; 3.9. revisão dos alimentos gravídicos; 3.10. extensão subjetiva da obrigação de pagar alimentos gravídicos; 3.11. o problema do tempo


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1. Introdução
A Lei 11.804/2008, publicada no D.O.U. de 06 de novembro do mesmo ano (e nesta mesma data entrou em vigor, conforme o seu art. 12), fez inserir no ordenamento jurídico pátrio, de forma expressa, a figura dos chamados alimentos gravídicos, concedendo à gestante o direito de buscar alimentos do suposto pai durante a gravidez.

A intenção da referida lei é das melhores, posto que concretiza valores bem conhecidos e relevantes à pessoa humana, tudo isso somado ao fato de poderem ser fixados "prematuramente", desde a concepção do sujeito, embora – e a isso volto mais detidamente adiante – nunca tenha sido vedado o acesso do nascituro ao pleito de alimentos.

Noto, entretanto, que nem todas as disposições da lei são tão salutares quanto aparentam. Ao contrário, há problemas interpretativos de índole material e processual que precisam ser equacionados.

Meu objetivo neste escrito é trazer uma análise clara e objetiva do "novo" instituto, levantar problemas e apresentar-lhes as respectivas soluções. Todo meu trabalho, como não poderia deixar de ser, será guiado pela ótica constitucional, implícita ou explicitamente.

Para tanto, procede-se a uma brevíssima incursão por temas propedêuticos e necessários, restringindo sua abordagem apenas aos pontos que efetivamente interessam, de modo a não cansar meu caro leitor. Criadas as necessárias premissas – e montado o alicerce intelectual – passo ao enfrentamento da Lei 11.804/2008 em si.


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2. Direito aos alimentos
Os alimentos, no seu aspecto técnico e jurídico, têm conotação ampla. Significam os auxílios de ordem material que uma pessoa presta a outra para prover suas necessidades vitais.

O art. 1.694, caput, do Código Civil, deixa claro que os alimentos devem permitir que seu credor viva de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

A regra geral é complementada pelo § 1º do mesmo dispositivo, segundo o qual devem os alimentos ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

Importante ressaltar que o valor fixado a título de alimentos é, a todo tempo, passível de revisão. Deveras, como bem posto no art. 1.699, caso haja mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.

2.2. extensão subjetiva da obrigação

Os pais devem pagar alimentos aos seus filhos. É ler o que dispõe a primeira parte do art. 1.696 do Código Civil e a conclusão soa óbvia. Aqui não há espaço para dúvidas.

Interessante, neste momento, é destacar que a obrigação de pagar alimentos é extensiva a todos os ascendentes, recaindo nos mais próximos em grau, uns em falta de outros (art. 1.696, 2ª parte, do Código Civil). Em complemento, vem o art. 1.697 do Código Civil dispondo que cabe a obrigação aos descendentes, na falta dos ascendentes (guardada a ordem de sucessão). Faltando descendentes, cumprirá o pagamento da prestação aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

De todo exposto, vê-se que a lei cria preferências ao estabelecer o devedor de alimentos. Antes, os pais; após, os ascendentes, os descendentes e os irmãos.

A regra da preferência, porém, convive de forma harmônica com a regra da complementaridade ou concorrência. Com efeito, a teor do que dispõe o art. 1.698 do Código Civil: "Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide".

Destarte, surge aquilo que se convencionou chamar de alimentos avoengos. É que de acordo com os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil, o avô pode ser convocado a suplementar os alimentos devidos aos netos quando o encargo não é integralmente satisfeito pelo parente diretamente obrigado (normalmente, os próprios pais).

Neste sentido, convém destacar a decisão da lavra do TJDFT:

"Alimentos. Incapacidade financeira dos pais para suprir as necessidades dos menores. Obrigação subsidiária do avô, que tem condições de auxílio. Obrigação alimentar reconhecida. 1 - O avô possui legitimidade para a ação de alimentos cuja causa de pedir está assentada na insuficiência dos alimentos prestados pelos pais. 2 - De acordo com os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil, o avô pode ser convocado a suplementar os alimentos devidos aos netos quando o encargo não é integralmente satisfeito pelos parentes diretamente obrigados. 3 - O fato de o pai dos menores pagar alimentos não inibe nem exclui a responsabilidade subsidiária do avô, desde que vislumbrada a presença dos requisitos emoldurados nos arts. 1.694, § 2º, 1.696 e 1.698 da Lei Civil. 4 - Comprovado o exaurimento da capacidade financeira dos pais e a persistência da necessidade alimentar dos menores, ao avô que ostenta condições econômicas pode ser imposta obrigação complementar. 5 - Recurso conhecido e desprovido". (TJDF, 6ª Turma Cível, Agravo de Instrumento n.º 2007.00.2.005397-9, rel. Des. James Eduardo Oliveira, j. 11.7.2007, v.u.).
Tenha-se atenção ao fato de que, à exceção dos ascendentes de primeiro grau, são os avós aqueles parentes mais próximos a quem a lei impõe a obrigação de prestar alimentos.

Faço uma ressalva no sentido de que as questões ligadas à extensão subjetiva da obrigação de prestar alimentos é, em minha opinião, uma das mais interessantes. Devo, contudo, restringir-me às idéias que acabo de desenvolver, porque do contrário acabaria por me alongar demasiada e desnecessariamente no tema.

2.3. alimentos e a situação específica do nascituro

De acordo com o art. 2º do Código Civil, o marco inicial da personalidade é o nascimento com vida, embora nosso ordenamento resguarde os direitos do nascituro desde a concepção. Daí que se diz que o nascituro tem direitos em estado potencial, sob condição suspensiva (direito condicional ou eventual), pois aguardam a verificação de evento futuro e incerto (nascimento com vida) para ter eficácia.

Pelo que sinto, no entanto, o dispositivo sub examine ainda merece ponderações mais detalhadas. É que alguns direitos o nascituro já tem, sim, independentemente de seu nascimento com vida. Em outras palavras, sempre vi o nascituro como titular do direito ao nascimento com vida. Basta lembrar que a Constituição garante a todos o direito à vida, assim como, em linhas mais gerais, a dignidade da pessoa humana.

Como se não bastasse, deve-se ter atenção ao que dispõe o art. 130 do Código Civil, que garante ao titular de direito eventual – e o nascituro está entre eles, como visto – o exercício dos atos destinados à sua conservação. Entre os atos de conservação – não há como se afastar desta constatação – está o direito aos alimentos, sem os quais o desenvolvimento do feto pode ficar comprometido, assim como podem se comprometer todos os seus direitos que aguardam o nascimento com vida para ter eficácia.

Uma primeira constatação já pode ser feita: o nascituro sempre pôde vir a juízo, normalmente representado por sua genitora, para pleitear alimentos.

Neste sentido:

"UNIÃO ESTÁVEL. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. EX-COMPANHEIRA E NASCITURO. PROVA. Evidenciada a união estável, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade da ex-companheira, que se encontra desempregada e grávida, é cabível a fixação de alimentos provisórios em favor dela e do nascituro, presumindo-se seja este filho das partes". (TJRS, 7ª Câmara Cível, AI 70017520479, rel. Des. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, j. 28.3.2007, v.u.)
Nesta ótica, seria até mesmo desnecessária a edição da Lei 11.804/2008. O direito do nascituro aos alimentos é, assim, uma "velha novidade", embora a referida lei contenha outros aspectos que, vistos a seu tempo, revelam-se convenientes.


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3. Aspectos materiais e processuais da Lei 11.804/2008
Conforme se extrai do art. 1º da Lei dos Alimentos Gravídicos (Lei 11.804/2008, a que doravante me refiro apenas como LAG), ela disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido.

3.1. titularidade e legitimidade ativa

A primeira questão que surge diz respeito à titularidade – pergunta que conduz ao problema da legitimidade ad causam ativa – destes alimentos: seria da gestante ou do nascituro?

Numa primeira leitura, a titularidade é da gestante, eis que o art. 1º é claro ao se referir a ela.

É preciso ter atenção, no entanto, ao que prevê o art. 6º e seu parágrafo único, da LAG, pelo qual os alimentos gravídicos perdurarão até o nascimento da criança, após o que ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.

Ainda assim, ao que me parece, inicialmente a titularidade – e, portanto, a legitimidade ativa – seria da própria gestante. Após o nascimento com vida, porém, haveria uma conversão de titularidade, de modo que os alimentos gravídicos passariam à qualidade de pensão alimentícia em favor do menor.

A lei, aparentemente sem querer, teria criado uma restrição ao acesso do nascituro ao pleito judicial de alimentos. A ele só seria dada legitimidade de pleitear sua revisão, após seu nascimento com vida.

Não me parece, contudo, sem razão a formação de um litisconsórcio (mãe e nascituro) ou o pedido feito direta e exclusivamente pelo nascituro, na medida em que a edição da nova lei não é suficiente para afastar as conclusões a que cheguei logo acima, quando tratei dos "direitos" do nascituro e sua proteção judicial.

Como se não bastasse, o objetivo da lei é dar suporte à gestação. A proteção se dirige, portanto, ao próprio nascituro (que, embora ainda despido de personalidade jurídica, é titular de um sistema especial de proteção de direitos), de modo que não se afasta o pedido autônomo de alimentos da própria mãe. Volto ao tema mais adiante.

Antes de se criar um empecilho processual (ligado à legitimidade ad causam), é preciso imaginar formas de efetividade do direito material.

3.2. valor (quantum) dos alimentos gravídicos e o pedido autônomo de alimentos "convencionais"

O valor dos alimentos gravídicos nasce de critérios determinados pelo art. 2º da LAG, que traz os seus objetivos: cobertura de despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Como se pode notar, a LAG não se refere em momento algum aos alimentos na forma em que vêm dispostos no Código Civil. Nada obstante, é claro como a luz do meio-dia que o binômio necessidade/possibilidade continua intocado, assim como não se questiona que a condição social também deva servir de parâmetro ao julgador.

Basta lembrar, na forma como acabo de expor, que nos alimentos gravídicos a necessidade surge de critérios bem delineados pelo texto legal (art. 2º), embora este rol não seja exaustivo.

De todo modo, não é exagero imaginar que a mãe possa, então, pedir autonomamente os alimentos gravídicos (para assegurar financeiramente a gestação) e também os alimentos "convencionais", desde que preencha todas as condições necessárias para tanto.

Este pleito autônomo se justifica ao se lembrar que os alimentos gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia ao recém-nascido. A mãe não poderia, nesta situação, ficar desamparada, caso necessitasse dos alimentos.

Na prática, contudo, será difícil traçar uma linha divisória entre o que é da mãe e o que é do nascituro e a tendência – arrisco o palpite – é a fixação de uma parcela única, que pode ser desmembrada após o nascimento com vida.

3.3. competência

O art. 3º da LAG, que acabou por ser revogado, indicava como foro competente aquele do domicílio do devedor.

O veto aconteceu porque, conforme as razões expostas, a regra estaria "dissociada da sistemática prevista no Código de Processo Civil, que estabelece como foro competente para a propositura da ação de alimentos o do domicílio do alimentando. O artigo em questão desconsiderou a especial condição da gestante e atribuiu a ela o ônus de ajuizar a ação de alimentos gravídicos na sede do domicílio do réu, que nenhuma condição especial vivencia, o que contraria diversos diplomas normativos que dispõem sobre a fixação da competência."

Assim, adotando-se expressamente as razões do veto ao dispositivo legal, melhor compreender que a competência é mesmo a do domicílio da genitora.

3.4. citação do réu e termo inicial da obrigação

Ajuizada a ação, o réu será citado para apresentar resposta em cinco dias (art. 7º da LAG).

O art. 5º desta lei previa a realização de uma audiência de justificação. O dispositivo, felizmente, acabou sendo vetado, até porque este procedimento não é obrigatório para qualquer outra ação de alimentos e causaria retardamento desnecessário ao processo (conforme as razões de veto).

O termo inicial da obrigação de pagar alimentos não vem previsto na lei. O art. 9º, que também foi vetado, previa que eles seriam devidos desde a citação do réu. Os motivos do veto são os seguintes: "O art. 9º prevê que os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu. Ocorre que a prática judiciária revela que o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Determinar que os alimentos gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não-existência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de manobras que visam impedir o ato citatório. Dessa forma, o auxílio financeiro devido à gestante teria início no final da gravidez, ou até mesmo após o nascimento da criança, o que tornaria o dispositivo carente de efetividade."

A finalidade do legislador, como se vê, foi a de fazer os alimentos gravídicos devidos desde o ajuizamento da ação, conforme os critérios do art. 263 do CPC.

Esta posição encontra suporte no art. 2º da LAG, segundo o qual os alimentos gravídicos se estendem da concepção ao parto.

Melhor, contudo, compreender que o termo da concepção ao parto significa o intervalo de tempo em que se pode ir a juízo pleitear os alimentos gravídicos. Isto é, a partir da concepção até o nascimento, o pedido é possível; após o nascimento, evidentemente, não (embora os alimentos "convencionais" possam ser pleiteados normalmente)

Ademais, se esta interpretação prevalecer – no que não acredito –, é preciso dar-lhe uma pintura constitucional, à luz da isonomia, e imprimir igual tratamento a toda e qualquer modalidade de alimentos, algo que exige a revisão de toda uma construção doutrinária e jurisprudencial.

Desta forma, sustento que os alimentos gravídicos são devidos desde a citação do devedor. A uma, porque só a citação é que o constitui em mora (art. 219, caput, do CPC); a duas, porque à LAG se aplicam supletivamente as disposições da Lei de Alimentos (conforme previsto no art. 11 da LAG), e esta prevê que os alimentos fixados retroagem à data da citação (art. 13, § 2º).

A tendência que aponto se confirma pelo que se lê na súmula 277 do STJ, pela qual, julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação. Não vejo motivos para compreender os alimentos gravídicos de forma distinta.

3.5. provas

Este é o ponto mais delicado: como provar a paternidade em relação ao nascituro? Os problemas são mais de ordem prática do que jurídica, porque todos os meios de prova devem ser admitidos (art. 332 do CPC), mas nem sempre será fácil demonstrar a relação de filiação de um nascituro.

A primeira idéia que vem à mente é a realização do exame pericial. Como enfatizou MARIA BERENICE DIAS, todavia: "Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame".

Não por outro motivo é que o art. 8º da LAG foi vetado. Segundo sua redação, caso houvesse oposição à paternidade (na contestação do pai), a procedência do pedido do autor dependeria da realização de exame pericial pertinente. Como bem destacado nas razões do veto, "o dispositivo condiciona a sentença de procedência à realização de exame pericial, medida que destoa da sistemática processual atualmente existente, onde a perícia não é colocada como condição para a procedência da demanda, mas sim como elemento prova necessário sempre que ausente outros elementos comprobatórios da situação jurídica objeto da controvérsia."

Caberá à mãe, pois, buscar todos os meios possíveis demonstrar o alegado. Uma idéia é que não se prove diretamente a paternidade – o que, como visto, não tarefa das mais fáceis –, mas sim fatos subjacentes e que possam conduzir a uma presunção de paternidade (art. 1.597 do Código Civil). Testemunhas e documentos (como cartas e mensagens eletrônicas) revelar-se-ão úteis neste ponto específico.

Não por outro motivo, aliás, é que a parte inicial do art. 6º diz que convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos. O destaque é proposital, já que revela que na ação de alimentos gravídicos a prova da paternidade não há de ser tão robusta quanto, ao menos teoricamente, o seria na investigação de paternidade.

Faltando, todavia, tais provas, o magistrado não terá outra alternativa senão julgar a ação improcedente.

Finalmente, mas não menos importante, vale lembrar que toda atividade probatória deve ser regida pelo princípio do contraditório. É dizer, nada obstante a natureza do direito material discutido, é fundamental que o réu não só tenha conhecimento das provas produzidas, assim como possa produzir outras provas, formando um processo dialético. Do contrário, a inconstitucionalidade salta aos olhos.

3.6. tutela antecipada

Nada impede que se peça, na ação de alimentos gravídicos, a antecipação dos efeitos da tutela, sem prejuízo das considerações que acabo de fazer acerca do contraditório. Aqui, desnecessário pedir qualquer socorro à Lei de Alimentos, pois o Código de Processo Civil regula a matéria de forma genérica e bastante satisfatória (art. 273 do CPC).

A concessão da medida, todavia, está condicionada à existência de seus pressupostos legais.

O requisito comum ao pedido de tutela antecipada é a existência de prova inequívoca da qual resulte verossimilhança da alegação. A prova inequívoca é aquela segura, contundente ou convincente. A verossimilhança significa uma aproximação da verdade ou então que daquela prova inequívoca resulta uma aparência de verdade.

Uma vez que se tenham preenchido tais requisitos, basta que a situação concreta se encaixe numa das hipóteses de cabimento da medida.

A primeira delas são as situações de urgência (art. 273, caput, c.c. art. 273, I), isto é, aquelas em que existe fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. A segunda é o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, caput, c.c. art. 273, II). Finalmente, pode-se pedir a antecipação dos efeitos da tutela nos casos de incontrovérsia do pedido (art. 273, caput, c.c. art. 273, § 6º).

Importante destacar que o manejo da tutela antecipada pode se revelar como um instrumento de elevada importância na solução de inúmeros problemas apontados pela doutrina na LAG, garantindo-lhe a pretendida eficácia.

3.7. limites subjetivos da coisa julgada

Uma vez que a ação tenha sido julgada procedente, ficam fixados os alimentos gravídicos, mas não se cria uma relação jurídica formal de paternidade.

Chamo a atenção ao óbvio: a ação de alimentos gravídicos tem objetivo bastante distinto da ação de investigação de paternidade. Se o menor, após seu nascimento, quiser a formalização da situação, deve ingressar com a respectiva demanda. Ao pai é dada, igualmente, a chance de ajuizar ação negatória de paternidade.

Lembre-se, meu caro leitor, do seguinte: independentemente das provas produzidas na ação de alimentos gravídicos, a coisa julgada só se forma em relação ao decisum da sentença, isto é, quanto aos tais alimentos, mas jamais quanto à paternidade, porque este não é objeto da ação.

3.8. não repetição dos alimentos e a impossibilidade jurídica do pedido de indenização por parte do "pai"

Imaginemos uma situação que deverá ocorrer com certa frequência na prática: o juiz, baseado num determinado conjunto probatório, condena o "pai" ao pagamento de alimentos gravídicos. Tempos depois, nasce a criança e a ação declaratória de paternidade é ajuizada (pelo pai ou pelo filho, isso é indiferente). Nesta nova ação – agora sim – é produzida a segura prova pericial (exame de DNA), constando-se que o devedor de alimentos não é pai do credor. Diante deste quadro, as questões que naturalmente surgem são: 1) os valores até então pagos podem ser exigidos de volta pelo "pai injustiçado"? 2) pode-se ajuizar uma ação contra a mãe do menor, pleiteando danos morais e materiais?

Respondo negativamente ambas as perguntas. A primeira, por razões óbvias, posto que os alimentos não são repetíveis; a segunda, porque atenta contra o livre exercício do direito de ação.

Neste sentido, pareceu-me curial o veto ao art. 10 da LAG, que assim dispunha: "Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu". As razões apontadas para o veto me parecem convincentes e falam por si: "Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação."

Eis mais uma razão para que o magistrado seja ponderado ao analisar as provas produzidas na ação de alimentos gravídicos, bem como para julgá-la.

3.9. revisão dos alimentos gravídicos

Não enxergo óbices ao pedido de revisão dos alimentos gravídicos – seja para mais ou para menos – desde que os critérios de sua determinação sejam alterados. Com muito mais razão, não há motivos que impeçam a revisão dos alimentos após sua conversão em pensão alimentícia, o que acaba sendo realçado pelo art. 6º, parágrafo único, in fine, da LAG.

3.10. extensão subjetiva da obrigação de pagar alimentos gravídicos

De início, remeto meu leitor às idéias que expus ao tratar da extensão subjetiva dos alimentos em geral (item 2.2 supra).

Agora questiono: seria possível imaginar, também no caso dos alimentos gravídicos, aquela extensão subjetiva da obrigação? É dizer, estender a obrigação aos ascendentes, os descendentes e os irmãos (art. 1.696 do Código Civil) ou então complementar uma prestação insuficiente (art. 1.698 do Código Civil) seriam atos juridicamente possíveis na sistemática dos alimentos gravídicos?

Em uma única passagem (parágrafo único do art. 2º) a LAG se refere expressamente ao pai. De resto, os termos são genéricos (parte ou parte ré).

Numa leitura mais constitucional, posso afirmar que todas as regras de extensão e complementação se ajustam ao pedido de alimentos gravídicos, respeitadas apenas as exigências processuais.

É claro que o pai é o primeiro – e preferencialmente o único – a integrar a "lista de devedores". Mas, eventualmente, outras pessoas, na forma como demonstrei acima, podem ser chamadas a dar sua contribuição. Assim, por exemplo, se o pai não tem condições de arcar com a obrigação, os avós paternos podem ser chamados a assumir total ou parcialmente o encargo. Não há, pelo que sinto, nada que afaste esta conclusão, justamente porque tais medidas se enquadram perfeitamente no escopo do instituto.

3.11. o problema do tempo

A gestação humana dura em torno de trinta e seis semanas. Um processo leva anos até que seja definitivamente julgado. Estas duas realidades, enfim, parecem não se encaixar.

A LAG tem uma proposta interessante e seu texto, no geral, é fruto de um competente trabalho legislativo. Mas, lamentavelmente, ela é insuficiente para vencer a morosidade da Justiça, claramente desaparelhada e incapaz de absorver toda demanda.

Salvo nas situações em que será admitida a antecipação dos efeitos da tutela – e na prática elas certamente estarão reduzidas a muito poucos casos –, é bem possível que esta lei tenha uma utilidade reduzida. Salvo melhor juízo, uma defesa relativamente hábil é o que basta para que o réu procrastine o cumprimento da obrigação ou até mesmo deixe de honrá-la.

Mais do que na agilidade da Justiça, prefiro acreditar que os futuros pais tomarão espontaneamente consciência de sua responsabilidade.

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