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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Deixar de cumprir execução provisória não gera multa

Por Alessandro Cristo


A previsão do Código de Processo Civil que multa a parte perdedora, em caso de descumprimento de sentença, em 10% do valor da condenação, não vale para execuções provisórias, possíveis quando existe recurso aguardando julgamento em tribunal superior. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento ao julgar Recurso Especial do fundo de pensão Petros, dos funcionários da Petrobrás.

Para a maioria dos ministros, a multa só é exigível se a parte perdedora não paga depois que o processo transita em julgado. O pagamento antecipado, de acordo com os membros da Corte Especial, implica reconhecimento do que alega o exequente, o que tiraria a motivação de recursos contra sentenças que aguardam para serem julgados no STJ. O julgamento começou em setembro do ano passado, mas só terminou em dezembro, depois de dois pedidos de vista, dos ministros Felix Fisher e Nancy Andrighi. O acórdão foi publicado em abril e é definitivo, já que não há mais possibilidade de recursos.

O caso envolveu diferenças não pagas de R$ 600 mil, apuradas em 1999, a um beneficiário do fundo. Ele pleiteava o direito de receber integralmente complementação de aposentadoria contratada junto ao fundo. Porém, a entidade alegou que o Decreto 81.240/1978 limitou o pagamento integral a quem se aposentasse depois dos 55 anos, que não foi o caso do funcionário. A Petros perdeu a queda de braço no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que ordenou a execução provisória enquanto um recurso no Supremo Tribunal Federal ainda aguardava julgamento.

No STJ, os ministros discutiram se a multa por não cumprimento de sentença condenatória transitada em julgado também poderia ser exigida nas execuções provisórias. Com base no artigo 475-J do CPC, o condenado que não pagar o que a Justiça determinou dentro de 15 dias do trânsito em julgado do processo, fica multado em 10% do valor da condenação. A Fundação Petrobrás de Seguridade Social questionou na Justiça a aplicação da regra no caso de execuções não definitivas.

Regrada pelos artigos 475-O, 475-I e 587 do CPC, a execução provisória permite que o cumprimento de uma decisão seja exigido mesmo quando ainda existe recurso a ser julgado no STJ ou no STF, desde que tenha sido admitido sem efeito suspensivo. Nesse caso, para garantir o devido processo legal, a parte exequente, para levantar os valores, deve apresentar caução em juízo que garanta ressarcimento ao executado se a situação se inverter, ou seja, se o devedor ganhar o Recurso Especial ou Extraordinário.

A doutrina se divide em relação à aplicação da multa sem o trânsito em julgado. Os doutrinadores Cássio Scarpinella Bueno, Araken de Assis, Alexandre Freitas Câmara, Athos Gusmão Carneiro, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, todos citados pelos ministros no julgamento, entendem que a regra vale para os dois tipos de execução. Já outra corrente, também lembrada pelos ministros, refuta os argumentos, como Humberto Theodoro Júnior, Carlos Alberto Alvaro Oliveira, Ernane Fidélis dos Santos, Carlos Alberto Carmona, Fredie Didier Júnior e Daniele Andrade. A 2ª, 3ª e 4ª Turmas da corte já haviam se pronunciado contra a exigência.

Aposentadoria precoce

Segundo explicou o advogado da Petros, Vinícius de Oliveira Berni, sócio do escritório TozziniFreire Advogados, a entidade perdeu a disputa sobre a complementação da aposentadoria porque a Justiça gaúcha era a única do país que ainda considerava ilegal o Decreto 81.240/1978. "A partir de setembro do ano passado, a 4ª Turma disse que é legal a limitação etária. No começo deste ano, a 3ª Turma também se manifestou favorável à limitação", explica Berni.

Em 2005, uma decisão do TJ deu ganho de causa ao funcionário aposentado, o que permitiu à 12ª Vara Cível de Porto Alegre ordenar a execução provisória. Como o intuito do beneficiário era apenas o de agilizar a execução enquanto recursos da Petros no STF e no STJ não eram julgados, ele não teve de apresentar caução do valor. "Hoje em dia, a opção pela execução provisória é mais para acelerar o processo e menos pelo temor de não receber", explica o advogado da Petros. "A parte ganha tempo ao tomar medidas como discutir cálculos, penhora e impugnações."

A Petros alegou que se pagasse a dívida estaria admitindo a derrota e esvaziando os motivos dos recursos. A 12ª Vara Cível então aplicou a multa de 10% do valor da condenação. A entidade apelou, mas perdeu. Segundo o Tribunal de Justiça gaúcho, a interpretação correta do artigo 475-O do CPC é de que a execução provisória deve ser feita do mesmo modo que a definitiva.

Pedágio processual

Só em setembro do ano passado a situação chegou à Corte Especial. "A execução provisória tem feito surgir inúmeros incidentes nas instâncias ordinárias e no Superior Tribunal de Justiça, assoberbando o Judiciário. E, agora, quer-se incluir mais um, que é uma multa incidental em uma execução provisória", criticou o ministro Aldir Passarinho Júnior em voto que abriu a divergência, seguido depois pela maioria. "Criamos um incidente a mais e punimos o cidadão que usa do direito constitucional de recorrer?"

Para a ministra Nancy Andrighi, que pediu vista do processo, "enquanto a questão controvertida não estiver definitivamente decidida, ante a pendência de recurso — independentemente dos efeitos que lhe foram atribuídos —, não se pode dizer que há um condenado". Ela lembrou ainda que a "execução provisória, per si, sem a incidência de multa, já é suficiente para antecipar os trâmites executórios, considerando-se que foi vontade do legislador que ela seguisse até o fim, inclusive com a prática dos atos de expropriação e alienação de bens do devedor".

No entanto, segundo o relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, não há diferença no cumprimento entre as duas execuções. "A provisoriedade está no título — que pode ser modificado quando do julgamento do recurso — e não na execução em si", afirmou ele em voto vencido. "Na chamada execução provisória da sentença, a atividade jurisdicional, em essência, é a mesma daquela prestada se de título definitivo se cogitasse."

O ministro deixou claro que, mesmo recorrível, a decisão pode ser executada. E "a sentença que permite, segundo a nova sistemática, deve ser cumprida", disse. "A sentença contra a qual foi manejado recurso sem efeito suspensivo, malgrado não ostente o traço da definitividade, possui eficácia executiva e seu comando normativo deve ser cumprido pelo vencido tão logo o vencedor manifeste desejo de executá-lo, sob pena de incidir a multa prevista no artigo 475-J."

No seu entender, "não é um 'direito' do executado não pagar em caso de pedido de cumprimento provisório de sentença". Porém, o exequente só deve oferecer a caução para o levantamento de depósitos judiciais em dinheiro ou para alienar bens, e não para requerer o cumprimento provisório da sentença. "Cuidando-se de execução provisória, aplicam-se as normas regentes da execução definitiva, ressalvadas algumas cautelas peculiares à provisória, evitando-se, por exemplo, a prática de atos irreversíveis de expropriação em desfavor do executado."

Diante do argumento da Petros de que cumprir a execução provisória seria contraditório ao ato de recorrer, o ministro citou o doutrinador Athos Gusmão, segundo o qual o réu, entendendo que suas razões são boas o suficiente para reformar a sentença, "'assume o risco' de interpor o recurso mesmo ciente de que o mesmo não tem efeito suspensivo e de que, portanto, caso improcedente, irá pagar o débito acrescido da multa".

O ministro Felix Fisher, vice-presidente da corte, que acompanhou o relator integralmente, foi contra o argumento da entidade de que a execução antecipada poderia lhe causar danos que sequer estariam garantidos em uma caução. "A execução provisória corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido", disse.

Decisão definitiva

Segundo o advogado Vinícius Berni, a conclusão do STJ, mesmo não tomada no rito dos recursos repetitivos, já pode ser aplicada aos demais casos que correm no Judiciário. "Por ter saído da Corte Especial, serve como paradigma para todos os tribunais do país. Se essa decisão não for adotada, há instrumentos para forçar os tribunais a seguirem o entendimento, como o Recurso Especial ou até mesmo a Reclamação", diz.

A dúvida foi a última que restava no STJ sobre a multa prevista no artigo 475-J. Em maio do ano passado, a Corte Especial colocou ponto final em outro debate, relacionado ao início da contagem do prazo de 15 dias para se cumprir a decisão. Por maioria, ao votar o Recurso Especial 940.274, o colegiado rejeitou as teses extremas de que a contagem dispensava a citação da parte e a de que era necessário a citação do advogado e também da parte. Os ministros preferiram o meio-termo, concordando que a o prazo deve começar a ser contado a partir da citação apenas do advogado.

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