STF aprova por unanimidade reconhecimento da união homoafetiva
BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta quinta-feira, 5, ações que pediam o reconhecimento legal da união estável de homossexuais. Dez ministros votaram a favor da união homoafetiva: Carlos Ayres Britto, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e Cezar Peluso. O ministro Dias Toffoli não participou do julgamento porque atuou em uma das ações enquanto era advogado-geral da União.
O ministro Luiz Fux, o primeiro a apresentar seu voto, deu o segundo voto a favor da união homoafetiva. Falando de improviso, Fux lembrou que homossexualismo não é crença, nem opção de vida. 'Ainda mais se levarmos em conta a violência psicológica e física que a sociedade ainda tem contra os homossexuais'. Para o ministro, se a homossexualidade não é crime, não há por que impedir os homossexuais de constituírem família.
'O homossexual, em regra, não pode constituir família por força de duas questões que são abominadas por nossa Constituição: a intolerância e o preconceito'. Segundo Fux, a Constituição prega uma sociedade plural, justa, sem preconceito, com valorização da dignidade da pessoa humana e destacando que todos os homens são iguais perante a lei.
'A pretensão é que se confira jurisdicidade à união homoafetiva, para que [os casais] possam sair do segredo e do sigilo, vencer o ódio e a intolerância em nome da lei. O que se pretende é a equiparação à união estável'. O ministro reconheceu que o entendimento não deixa de ser uma ousadia judicial. 'Mas a vida é uma ousadia, senão ela não é nada', afirmou Fux. Ele acredita que os demais ministros acompanharão o voto do relator. 'Assim, a Suprema Corte concederá aos homossexuais mais que um projeto de vida: daremos projeto de vida e projeto de felicidade.'
A ministra Cármen Lúcia, que continuou a votação, deu o terceiro voto a favor. Mesmo antes de começar a ler seu voto, a ministra Cármen Lúcia adiantou que acompanharia o voto de Ayres Britto em sua totalidade. 'A forma escolhida para viver não pode esbarrar no Direito. Todas as formas de preconceito merecem repúdio'. A ministra foi enfática ao defender o combate à violência e ao preconceito. 'Contra todas as formas de preconceito há o direito constitucional. [Os preconceitos] não podem se repetir sem que sejam lembrados como traço de momento infeliz da sociedade. A escolha por uma união é homoafetiva, individual e única.'
O próximo a falar foi o ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhou o voto do relator, mas fazendo ressalvas no que diz respeito a forma de se entender este novo tipo de entidade familiar. Ele adotou o que chamou de 'integração analógica', ou seja, que se aplique a essa nova relação a legislação mais próxima, até que ela seja definitivamente regulada por lei aprovada pelo Congresso Nacional. Segundo o ministro, o reconhecimento só cabe em relação ao que não for típico da relação entre homem e mulher. Entre as possíveis restrições, estaria o casamento.
Em seu voto, Lewandowski lembrou que os constituintes, depois de debaterem o assunto, optaram por não incluir a união de pessoas do mesmo sexo no regime de união jurídica estável, e chegou a ler trecho do que foi dito em tal sessão. Ele também defendeu que a união homoafetiva estável, se aprovada, deve ser entendida como um quarto tipo de família atualmente, existem a relação de casamento, a união estável e a monoparental.
'Não há como escapar da evidência de que união homossexual é realidade empírica, e dela derivam direitos e deveres que não pode ficar à margem do Estado, ainda que não haja previsão legal para isso', afirmou Lewandowski. Por analogia, ele estendeu o direito da união estável dos heteressexuais aos homossexuais enquanto o legislador não fizer leis a respeito.
Em seguida foi a vez do ministro Joaquim Barbosa. Ele concorda com o reconhecimento das ações, dizendo que entende que as relações homoafetivas fazem parte dos direitos fundamentais, assim como se deve promover o bem de todos sem preconceitos de raça, sexo, cor, idade e de outras formas de discriminação. 'O não reconhecimento da união homoafetivas simboliza a posição do Estado de que a afetividade dos homossexuais não tem valor e não merece respeito social. Aqui reside a violação do direito ao reconhecimento que é uma dimensão essencial do princípio da dignidade da pessoa humana', avaliou o ministro.
Ele afirmou que 'a Constituição prima pela proteção dos direitos fundamentais e veda todo tipo de discriminação'. Para o ministro, a dignidade humana é a noção de que todos têm direito a igual consideração.
O ministro Gilmar Mendes retomou a sessão, logo após intervalo realizado depois do voto de Joaquim Barbosa. Ele anunciou voto favorável à união homoafetiva, manifestando, no entando, preocupação e ressalvas preferindo não se pronunciar quanto a desdobramentos, como no que diz respeito a adoção. 'Neste momento eu me limito a reconhecer esta união', disse o ministro.
Mendes também afirmou que a Corte tem obrigação de dar uma resposta para proteger os casais homossexuais, que ainda são vítimas de preconceito e violência. 'O limbo jurídico contribui inequivocamente para que haja quadro de maior discriminação, até para as práticas violentas que temos notícias. É dever do Estado a proteção e dever da jurisdição dar essa proteção se, de alguma forma, ela não foi concebida pelo legislador'.
A ministra Ellen Gracie, que falou a seguir, iniciou sua argumentação se dizendo favorável às ações. 'O reconhecimento hoje, pelo Tribunal, desses direitos, responde a pessoas que durante longo tempo foram humilhadas, cujos direitos foram ignorados, cuja dignidade foi ofendida, cuja identidade foi denegada e cuja liberdade foi oprimida. O Tribunal lhes restitui o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura sua dignidade, afirma sua identidade e restaura a sua liberdade', disse.
O ministro Marco Aurélio de Mello também deu parecer favorável justificado a partir do argumento de que o Estado existe para auxiliar indivíduos a realizar seus projetos de vida, incluindo os que têm atração pelo mesmo sexo. 'Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes, regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida de que a Constituição Federal de 1988 permite que seja a união homoafetiva admitida como tal'.
O nono voto foi do ministro Celso de Mello, também a favor do reconhecimento da união homoafetiva como união estável. De acordo com ele, ninguém deve ser privado de seus direitos ou sofrer restrições jurídicas por causa de sua orientação sexual. Ele disse que não se deve confundir questões jurídicas com questões de caráter moral ou religioso porque o Brasil é um País laico.
O presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, proferiu o décimo voto a favor das ações. O ministro enfatiza que a Constituição não exclui outras modalidades de entidade familiar. '[Ao tomar a decisão] o Supremo condenou todas as formas de discriminação, contrárias não apenas ao nosso direito constitucional, mas contrária à própria compreensão da raça humana à qual todos pertencemos com igual dignidade', disse na leitura do seu voto. Peluso considerou ainda que a partir de agora cabe ao Congresso a responsabilidade de legislar sobre o tema. 'Há uma convocação que a Corte faz para o Poder Legislativo para que assuma essa tarefa a que não se sentiu muito propenso a exercer: regulamentar essa equiparação.'
Primeiro dia. O relator da ação, ministro Carlos Ayres Britto, o único a se manifestar na sessão de ontem, votou por estender para as uniões entre pessoas do mesmo sexo os direitos e deveres previstos para casais heterossexuais.
Pelo voto do ministro, os casais homossexuais teriam direito a se casar, poderiam adotar filhos e registrá-los em seus nomes, deixar herança para o companheiro, incluí-lo como dependente nas declarações de imposto de renda e no plano de saúde.
Dentre as razões para isso, Britto lembrou que a Constituição veda o preconceito em razão do sexo das pessoas. Além disso, afirmou que a Constituição, ao não prever a união de pessoas do mesmo sexo, não quis proibir a união homoafetiva. 'Nada mais íntimo e privado para os indivíduos do que a prática da sua sexualidade', disse.
No entendimento do ministro, se a união gay não é proibida pela legislação brasileira, automaticamente torna-se permitida. E, sendo permitida a união homoafetiva, ela deveria ter os mesmos direitos garantidos para as uniões estáveis de heterossexuais. Dois homossexuais, portanto, poderiam ser tratados como família. 'A nossa magna carta não emprestou ao substantivo família nenhum significado ortodoxo', acrescentou. 'Não existe família de segunda classe ou família mais ou menos.'
*Texto atualizado às 22h11
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